Dengue
Fernando S. V. Martins &
Terezinha Marta P.P. Castiñeiras
O dengue* é uma doença
infecciosa causada por um arbovírus (existem quatro tipos diferentes de
vírus do dengue - 1, 2, 3 e 4), que ocorre principalmente em áreas
tropicais e subtropicais do mundo, inclusive no Brasil. As epidemias geralmente
ocorrem no verão, durante ou imediatamente após períodos chuvosos. O dengue
está se expandindo rapidamente, e espera-se que nos próximos anos a transmissão
aumente significativamente no mundo.
Transmissão
O dengue pode ser
transmitido por duas espécies de mosquitos (Aëdes aegypti e Aëdes
albopictus), que picam durante o dia, ao contrário do mosquito comum (Culex),
que tem atividade durante a noite. O Aëdes aegypti também pode
transmitir a febre
amarela. No Brasil, estão circulado os virus 1, 2 e 3. O vírus 3 está
presente desde dezembro de 2000 (foi isolado em
janeiro de 2001, no Rio).
Os transmissores de dengue, principalmente
o Aëdes aegypti, proliferam-se dentro ou nas proximidades de habitações
(casas, apartamentos, hotéis etc) em qualquer coleção de água
relativamente limpa (caixas d'água, cisternas, latas, pneus, cacos de vidro,
vasos de plantas). As bromélias, que acumulam água na parte central
(aquário), também podem servir como criadouros. O único modo possível de evitar
ocorrência de epidemias e a introdução de um novo tipo do vírus do dengue
é através do controle dos transmissores (Aëdes aegypti e Aëdes
albopictus).
A transmissão do dengue é mais freqüente
em cidades, mas também pode ocorrer em áreas rurais. Em locais com altitudes
superiores a 1200 metros ,
a transmissão da doença é incomum. Uma pessoa não transmite dengue
diretamente para outra. Para que isto ocorra, é necessário que o mosquito se
alimente com o sangue de uma pessoa infectada e, após um período de incubação
de 8 a 10
dias, pique um outro indivíduo que ainda não teve a doença.
Riscos
Cerca de dois bilhões e meio de pessoas vivem em
áreas de risco de transmissão de dengue e a doença é endêmica em mais de
100 países de todos os Continentes, com exceção da Europa. A Organização
Mundial da Saúde estima que, no mundo, ocorram entre 50 e 100 milhões de
casos, resultanto em cerca de 500 mil internações e 20 mil óbitos por ano.
No Brasil, a erradicação do A. aegypti na
década de 30, levada a cabo para o controle da febre amarela, fez
desaparecer também o dengue. No entanto, em 1976 o Aëdes aegypti foi
reintroduzido no Brasil, definitivamente, em Salvador (BA). Em 1981 ocorreu uma
epidemia dengue (vírus 1 e 4) em Boa Vista (RR) e, atualmente, a doença é
registrada em todas as Regiões do país [Tabela]. No Rio de Janeiro já ocorreram
quatro grandes epidemias, em 1986-87 (vírus 1), 1990-91 (vírus 2), 2001-02
(vírus 3) e 2007-08 (vírus
2 - principalmente - e 3).
Dengue no Brasil.
Casos confirmados, por local de transmissão: 1996 - 2005
Casos confirmados, por local de transmissão: 1996 - 2005
|
Região
|
1997
|
1998
|
1999
|
2000
|
2001
|
2002
|
2003
|
2004
|
2005*
|
Total
|
|
Norte
|
22.174
|
27.018
|
15.118
|
30.848
|
63.400
|
30.672
|
46.672
|
31.573
|
41.487
|
311.657
|
|
Nordeste
|
190.234
|
224.833
|
111.327
|
121.920
|
188.963
|
312.519
|
214.705
|
42.219
|
118.257
|
1.651.121
|
|
Sudeste
|
22.633
|
229.630
|
41.111
|
53.657
|
173.691
|
384.999
|
83.594
|
31.001
|
35.452
|
1.090.062
|
|
Sul
|
1.197
|
2.994
|
1.416
|
4.503
|
3.731
|
16.224
|
22.507
|
3.554
|
5.020
|
66.336
|
|
Centro-Oeste
|
12.965
|
20.552
|
14.115
|
17.197
|
34.529
|
68.690
|
36.164
|
15.528
|
41.580
|
277.101
|
|
Total
|
249.203
|
505.027
|
183.087
|
228.125
|
464.314
|
813.104
|
403.642
|
123.875
|
241.796
|
3.396.277
|
* dados sujeitos
à revisão.
Fonte: Ministério da Saúde - Secretaria de Vigilância em Saúde, 2006.
Fonte: Ministério da Saúde - Secretaria de Vigilância em Saúde, 2006.
Medidas de proteção individual
Ainda não existem vacinas
disponíveis contra o dengue, embora as pesquisas estejam em fase
avançada e pelo menos uma entrou em fase de testes. Uma vacina contra o dengue
deve, necessariamente, proteger contra os quatro tipos de virus, uma vez que se
não fosse eficaz contra todos os tipos poderia aumentar o risco de formas
graves.
A transmissão do dengue ocorre em áreas
que também são de risco potencial para febre amarela (a vacina deve
estar atualizada) e, geralmente, também para malária.
Devem ser adotadas, portanto, medidas de proteção contra infecções
transmitidas por insetos, que são as mesmas empregadas contra a febre amarela e a malária.
É importante saber que, embora a transmissão dessas doenças possa ocorrer ao ar
livre, o risco maior é no interior de habitações.
O viajante deve usar, sempre que possível, calças
e camisas de manga comprida, e repelentes contra insetos à base de
dietiltoluamida (DEET) ou picaridina (= icaridina) nas áreas expostas do
corpo. Antes de adquirir um repelente, certifique-se da concentração de
DEET ou picaridina no produto. As
concentrações usualmente recomendadas são de 30% a 35% (máximo de 50%) para o
de DEET e de 20% para a picaridina. Além disto, em razão do risco de malária,
deve procurar hospedar-se em locais que disponham de ar-condicionado ou
utilizar mosquiteiros impregnados com permetrina e aplicar inseticida em
aerosol nos locais onde for dormir. Em hipótese alguma devem ser utilizados inseticidas
na pele.
Pessoas
que estiveram em uma área de risco para dengue e que apresentem febre,
durante ou após a viagem, devem procurar um Serviço de Saúde para esclarecimento
diagnóstico. As áreas de transmissão do dengue podem ser as mesmas da febre amarela e da malária. Em todas as pessoas
com suspeita de dengue que estiveram em áreas de transmissão dessas
doenças, é importante que seja sempre afastado o diagnóstico de febre amarela e investigada a possibilidade de malária,
doença para qual existe tratamento específico eficaz. Não existe comprovação
da eficácia do uso de vitaminas do
complexo B ou de pilulas de alho na profilaxia do dengue (ou de qualquer
outra doença transmitida por vetores).
Recomendações para áreas de transmissão
O dengue é transmitido pela picada de
mosquitos (mais comumente o Aëdes aegypti) que proliferam-se dentro ou
nas proximidades de habitações. Estes mosquitos criam-se na água,
obrigatoriamente. A fêmea do mosquito põe os ovos dentro de qualquer
recipiente (caixas d'água, latas, pneus, cacos de vidro etc) que contenha
água mais ou menos limpa. Os ovos ficam aderidos às paredes do recipiente, e
não morrem mesmo quando a água é retirada. Não adianta, portanto, apenas
substituir a água, mesmo que isto seja feito com freqüência. Destes ovos surgem
as larvas, que depois de algum tempo vivendo na água, vão formar novos
mosquitos adultos.
Quando está ocorrendo epidemias deve ser feita a
aplicação de inseticida através do "fumacê", para reduzir a população
de mosquitos adultos. O "fumacê" deve ser empregado apenas durante
as epidemias, uma vez que a aplicação de inseticidas não acaba com os
criadouros e, o que é indesejável, precisaria ser constantemente empregada para
eliminar os novos mosquitos que se formam a partir das larvas. O controle do dengue
deve ser feito, principalmente, através da eliminação dos criadouros de
larvas. Para isto é importante que recipentes que possam encher-se de água
sejam descartados ou fiquem protegidos com tampas. Qualquer recipiente com água
e sem tampa, inclusive as caixas d'àgua, pode servir de criadouro para os
mosquitos que transmitem dengue. Por isto, é importante eliminar os
criadouros do mosquito transmissor. Além do dengue, se estará também
evitando que a febre
amarela, que não ocorre nas cidades brasileiras desde 1942, volte a ser
transmitida. As medidas eficazes, em residências, escolas e locais de trabalho,
são:
|
Dengue: medidas para
eliminar os criadouros de Aëdes
|
A utilização, duas vezes por
semana, de água tratada com cloro (40 gotas de água sanitária a 2,5% para cada
litro) para regar bromélias, tem sido recomendada ** como forma de
avitar a proliferação do Aëdes aegypti. Em condições experimentais,
a utilização de cloro parece ser útil***, porém é desejável que sejam
realizadas pesquisas adicionais que demonstrem (ou não) com absoluta segurança
a efetividade do emprego rotineiro da água sanitária com este propósito.
Manifestações
A infecção causada por qualquer
um dos quatro tipos (1, 2, 3 e 4) do vírus do dengue produz as
mesmas manifestações. A determinação do tipo do vírus do dengue que
causou a infecção é irrelevante para o tratamento da pessoa doente. As
manifestações do dengue, quando ocorrem, em geral aparecem (período de
incubação) entre 3 e 15 dias (mais comumente entre 3 e 6 dias) após a picada de
um mosquito infectado. O dengue é uma doença que, na grande maioria dos
casos (mais de 95%), causa desconforto e transtornos, mas não coloca em risco a
vida das pessoas. As manifestações iniciais são febre alta, dor de cabeça,
muita dor no corpo e, às vezes, vômitos. É freqüente que, 3 a 4 dias após o início da
febre, ocorram manchas vermelhas na pele, parecidas com as do sarampo
ou rubéola,
e prurido ("coceira"). Também é comum que ocorram pequenos
sangramentos (nariz, gengivas).
A maioria das pessoas, após quatro ou cinco dias,
começa e melhorar e recupera-se por completo, gradativamente, em cerca de dez
dias. Em alguns casos (a minoria), nos três primeiros dias depois que a
febre começa a ceder, pode ocorrer diminuição acentuada da pressão
sangüínea. Esta queda da pressão caracteriza a forma mais grave da doença,
chamada de dengue "hemorrágico". Esta designação é
imprecisa e pode fazer com que se pense que sempre ocorrem sangramentos,
o que não é verdadeiro. A gravidade está relacionada, principalmente, à
diminuição da pressão sangüínea, que deve ser tratada rapidamente, uma vez que
pode levar ao óbito. O dengue grave pode acontecer mesmo em quem
tem a doença pela primeira vez.
O doente se recupera, geralmente
sem nenhum tipo de problema. Além disto, fica imunizado contra o tipo de
vírus (1, 2, 3 ou 4) que causou a doença. No entanto, pode adoecer
novamente com os outros tipos de vírus do dengue. Em outras palavras, se
a infecção foi com o tipo 2, a
pessoa pode ter novamente o dengue causado pelos vírus dos tipos 1, 3 ou
4. Em uma segunda infecção, o risco da forma grave é maior, mas não é obrigatório
que aconteça.
As manifestações iniciais do dengue são as
mesmas de diversas outras doenças (febre amarela, malária,
leptospirose).
Também não servem para indicar se o dengue vai ser mais grave. Por isto
é importante sempre procurar rápido um Serviço de
Saúde, para uma avaliação médica. A meningite
meningocócica pode ser muito parecida com o dengue grave, mas a
pessoa piora muito mais rápido (logo no primeiro ou segundo dia de doença). O dengue
pode se tornar mais grave apenas quando a pessoa começa a melhorar, e o período
mais perigoso vai até três dias depois que a febre desaparece.
O diagnóstico inicial de dengue é clínico
(história + exame físico da pessoa) feito essencialmente por exclusão de outras
doenças. É muito importante, por exemplo, saber se a pessoa não está com doença
meningocócica ou leptospirose,
que são tratáveis com antibióticos. A comprovação sorológica do diagnóstico de
dengue poderá ser útil para outras finalidades (vigilância epidemiológica,
estatísticas) e é um direito do doente, mas o resultado do exame comumente
estará disponível apenas após a pessoa ter melhorado, o que o torna inútil para
a condução do tratamento. O exame sorológico também não permite dizer qual o
tipo de vírus que causou a infecção (o que é irrelevante) e nem se o dengue é "hemorrágico".
Feito o diagnóstico clínico de dengue,
alguns exames (hematócrito, contagem de plaquetas) podem trazer informações
úteis quando analisados por um médico, mas não comprovam o diagnóstico, uma vez
que também podem estar alterados em várias outras infecções. A comprovação do
diagnóstico, se for desejada por algum motivo, pode ser feita através de
sorologia (exame que detecta a presença de anticorpos contra o vírus do dengue),
que começa a ficar reativa ("positiva") a partir do quarto dia de
doença.
A "prova do laço" é um procedimento
(obsoleto) realizado com o aparelho de pressão, na tentativa de verificar
fragilidade dos capilares (pequenos vasos sangüíneos) e, por vezes, recomendado
como critério para identificar casos de dengue "hemorrágico".
Além do dengue, a "prova do laço" pode estar positiva em
diversas outras doenças (meningococcemia, leptospirose,
rubéola
etc) e até em pessoas saudáveis.
Também pode estar negativa nos casos de dengue, inclusive nos mais
graves ("hemorrágicos"). Não ajuda, portanto, a concluir se a pessoa
está ou não com dengue ou se o dengue é mais grave.
Tratamento
O dengue não tem tratamento específico.
Quando não há dúvida que a pessoa tem dengue, na maioria das
vezes o médico pode recomendar que o tratamento seja feito em casa, basicamente
com anti-térmicos analgésicos (febre e dor) e reidratação oral que deve ser
iniciada o mais rápido possível. As pessoas que apresentem manifestações
compatíveis com dengue devem observar o seguinte:
|
Dengue: cuidados e
informações
Procurar um Serviço de
Saúde logo no começo das manifestações. Diversas doenças são muito
parecidas com o dengue, e têm outro tipo de tratamento.
Informar ao médico se estiver em uso de qualquer remédio.
Alguns medicamentos utilizados no tratamento de outras doenças (Marevan®,
Ticlid® etc.) podem aumentar o risco de sangramentos.
O tratamento do dengue é feito com hidratação.
Beber bastante líquido, evitando-se as bebidas com cafeína (café, chá preto).
Não é preciso fazer nenhuma dieta.
Os medicamentos não alteram a evolução do dengue
e são empregados apenas para atenuar as manifestações da
doença (dor, febre).
Não tomar remédios por conta própria. Todos os
medicamentos podem ter efeitos colaterais e alguns que podem até piorar a
doença.
Não tomar nenhum remédio para dor ou para febre que
contenha ácido acetil-salicílico (AAS®, Aspirina®, Melhoral® etc.) -
que pode aumentar o risco de sangramento.
Os antiinflamatórios (Voltaren®, Profenid® etc.)
também não devem ser utilizados como antitérmicos pelo risco de efeitos
colaterais, como hemorragia digestiva e reações alérgicas.
Os remédios que contém dipirona (Novalgina®, Dorflex®,
Anador® etc.) devem ser evitados sem prescrição médica, pois podem
diminuir a pressão ou, às vezes, causar manchas de pele parecidas com as do dengue.
O paracetamol (Dôrico®, Tylenol® etc.), mais utilizado para tratar a dor e a febre no dengue, deve ser tomado rigorosamente nas doses e no intervalo prescritos pelo médico, uma vez que em doses muito altas pode causar lesão hepática. |
É absolutamente necessário estar atento para as
manifestações que podem indicar gravidade, o que pode acontecer, geralmente, a
partir do momento em que a febre começa a ceder: Se qualquer uma
destas manifestações aparecer, a pessoa deve ser levada imediatamente ao
Serviço
de Saúde mais próximo:
|
Dengue: manifestações
indicativas de gravidade
|
* O Cives utiliza a palavra dengue como substantivo masculino, tal como registrado na maioria dos textos da literatura técnica médica desde que a doença foi descrita no Brasil.
**Superintendência de Saúde Coletiva da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, com base em pesquisa do Grupo de Trabalho de Entomologia do PEAa-RIO.
***SAUD, JI ; PEDRONI, K. K. L. & NAKANO, O. Efeito do hipoclorito de sódio sobre larvas do mosquito Aedes aegypti (Diptera: Culicidae). In: Simpósio Internacional de Iniciação Científica da Universidade de São Paulo - SIICUSP, 2002, Piracicaba. Resumos, 2002. p. 46-46
Nenhum comentário:
Postar um comentário