Páginas

domingo, 2 de abril de 2017

PARASITISMO: INCÔMODO OU NECESSIDADE?

Os parasitas devem ser analisados não só pelos aspectos patológicos que podem influenciar numa população, mas também estudar suas interações com o ecossistema vigente e os demais relacionados a ele.
Os parasitas são muito mais que agentes portadores de moléstias, como eram designados desde o século XVIII; além de sua importância econômica e social, podem interromper completamente uma seqüência de eventos dentro de vários ecossistemas se sua ausência for provocada. 
Os que mereceram maior atenção por parte dos pesquisadores, por motivos tanto endêmicos como econômicos, pertencem ao Filo Platyhelminthes, especificamente as Classes Trematodea e Cestodea. Os trematódeos adultos são parasitas externos ou internos de vertebrados. Partindo da condição turbelária ancestral, apresentam-se menos modificados se comparados às tênias. O corpo oval a alongado é achatado e provido de uma ventosa ou de outros órgãos de fixação.
Os trematódeos são hermafroditas, e os seus sistemas reprodutores estão adaptados à cópula, à fertilização interna, ao desenvolvimento ectolécito e à formação de cascas do ovo.
Tais motivos revelaram-se importantes na adaptação destes organismos ao hábito de parasitar outras espécies e delas tirar todas as substâncias que lhes são imprescindíveis a vida.
Como exemplo podemos citar a relação entre uma fascíola, Dicrocoelium dentriticum, e as formigas. O gado e outros ruminantes apresentam este parasita no seu trato intestinal; não apresentam nenhuma reação ao parasita. O hospedeiro então defeca e suas fezes são ingeridas por moluscos. Após um breve espaço de tempo em que os parasitas começam a migrar para o intestino e depois se instalam na glândula digestiva.
Os parasitas começam a se reproduzir dentro do hospedeiro e mais uma vez migram, só que para a região externa do corpo, tentando passar pela abertura oral do molusco. Pelo fato de causar extremo desconforto para o molusco, este envolve os parasitas em “bolões” de muco e os cospem no meio. O próximo hospedeiro serão as formigas. Estas, ao ingerirem o muco deixado pelos moluscos, estarão colocando dentro do seu sistema, milhares de fascíolas que começam a perfurar seu intestino até chegar na cavidade abdominal.
Quando já estão alojadas, dá-se início ao processo mais especializado de parasitismo, só antes visto com as tênias que se “obrigam a viver apenas se estiverem parasitando, uma vez que nem aparelho digestivo possuem”.
Uma ou duas fascíolas se deslocam para o cérebro das formiga e, literalmente, tomam conta do indivíduo. Durante o dia, em seus afazeres de coletividade, as formigas infectadas saem para procurar comida para o formigueiro como qualquer outra pertencente a esta sociedade. Mas, ao entardecer, se desligam do grupo como verdadeiros “zumbis” e procuram justamente o pasto utilizado por bois e vacas. Sobem na grama e ficam no topo esperando serem comidas. Caso não o sejam, pelo amanhecer o bloqueio de suas vontades cessa e retornam para o formigueiro, como se nada tivesse acontecido. Este é um mecanismo de defesa desenvolvido pelos parasitas, uma vez que se permanecessem durante o dia na folhagem, fatalmente o hospedeiro morreria por danos causados pela insolação, então retornam ao formigueiro para na próxima noite repetirem o feito até que a formiga seja comida junto com o pasto e com isso o parasita fecha seu ciclo.
Outra forma de enxergar o parasitismo desenvolvido por determinadas espécies animais seria de como alteram o ecossistema para que possam cumprir seus ciclos. 
Um exemplo claro destas alterações, é o que provoca a fascíola Euhaplorchis californiensis, característica de regiões de mangue. Sua interação com os ecossistemas foi descrita no mangue de Carpinteria, no estado da Califórnia nos Estados Unidos. Verificou-se que estes parasitas são comuns nas aves marinhas quem povoam este mangue. As aves defecam e com isto os moluscos existentes no mangue se alimentando das fezes, acabam por ingerir também os parasitas. Como se já não bastasse a infecção causada nos moluscos, as fascíolas também provocam um “desligamento” do sistema reprodutor destes animais. Isto mesmo, castram o animal, pois assim, inertes para perpetuar a própria espécie, sobra mais alimento e energia para os parasitas.
Originam uma nova prole no interior do molusco, em seguida sendo liberados (a nova prole) para o meio aquático em busca do novo hospedeiro. As larvas começam então sua busca incessante pelo peixe Killifish-da-Califórnia (animal comum neste mangue). Quando localizam o peixe, invadem o sistema através das brânquias. Utilizam o sistema circulatório do peixe para se deslocarem até o cérebro deste animal cobrindo-o com uma espécie de muco gelatinoso. A função deste muco no córtex cerebral do animal visa comandar o próprio peixe, fazendo com que este configure atitudes claras de exposição ao predador, no caso as aves marinhas do início do ciclo.
Imaginou-se que poderia ser aleatório o comportamento suicida do peixe. Em experimentos controlados, pode-se notar que os peixes infectados apresentavam o comportamento suicida 30 vezes mais profícuo que os não-infectados. As aves marinhas comem o peixe contaminado e assim as fascíolas fecham o seu ciclo.
Duas perguntas nos saltam aos olhos; e se os peixes contaminados morressem antes de serem comidos pela aves? Fatalmente o ecossistema não seria o mesmo. Muito provavelmente as aves marinhas ou seriam extintas, ou seu hábito alimentar seria bem menos específico, pois a caça aos peixes seria 30 vezes maior, o que se configura numa dependência do parasita para seu próprio fluxo de vida. Outra pergunta: e se os moluscos contaminados morressem antes de servirem como “berçário”? segundo dados averiguados, a população de moluscos contaminados é exatamente igual a de moluscos não contaminados. Caso os moluscos contaminados não completassem sua parte no ciclo, a população de moluscos não contaminados aumentaria de tal forma que logo os demais animais não teriam alimento e iniciaria um processo de desequilíbrio ambiental que afetaria todos os níveis tróficos acima dos moluscos.
Como podemos notar, os parasitas tem uma grandiosíssima importância nos ecossistemas, além de interferirem no meio para que possam completar seus ciclos vitais. Sem a presença destes os próprios ecossistemas estariam reduzidos a no máximo 2 ou 3 níveis tróficos de uma cadeia alimentar, diminuindo de forma drástica e inequívoca toda a biodiversidade existente.

Nenhum comentário: