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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Antibióticos: Promessa do Passado, Incerteza do Presente.

A história tem registro de várias enfermidades, humana e/ou animal, provocadas por microrganismos. Durante séculos, a bactéria Yersinia pestis, agente etiológico da peste, causou pandemias famosas pelos seus efeitos devastadores na Ásia e na Europa. Estima-se que cerca de um terço da população do mundo, no século XIV, tenha morrido de peste negra. Até o início do século XIX, mulheres morriam devido a infecções contraídas durante o parto. Assim, no início do século XX, vários procedimentos, baseados na sanitização e práticas assépticas, foram introduzidos visando à redução de mortes provocadas por agentes infecciosos.

Esses tratamentos ganharam reforço com a descoberta de que alguns compostos químicos podiam ser utilizados no controle de certas infecções. Assim, é que a descoberta de Paul Ehrlich, um fisiologista alemão, sobre a eficácia do arsênico para o tratamento da sífilis, abriu a era da quimioterapia. Em 1929, Alexander Fleming, relatou a descoberta da penicilina, um antibiótico isolado do fungo Penicillium notatum.

Utilizada largamente em uma série de doenças infecciosas como a gonorréia, a sífilis e o tétano. Porém, tal antibiótico passou a ser utilizado apenas após a descoberta de seu processo de purificação, pois em sua forma original a penicilina pode causar danos ao organismo tanto se administrada por via intravenosa ou oral. Foi apenas a partir de 1939 que um tipo de antibiótico isolado pelo bacteriologista René Dubos foi pela primeira vez empregado com êxito no organismo humano para o tratamento de doenças infecciosas, sendo administrado com uso externo. O desenvolvimento posterior das pesquisas sobre antibióticos possibilitou seu largo emprego no tratamento de diversas doenças a partir dos anos 50. Doenças outrora responsáveis por altos riscos de mortalidade, como a tuberculose, a sífilis, a pneumonia e a escarlatina, muitas delas representando as principais enfermidades que ofereciam risco de vida passaram a ser combatidas com grande sucesso através do uso dos antibióticos. Portanto, a descoberta dos antibióticos representa uma grande revolução da história da medicina, reduzindo vastamente as taxas de mortalidade mundiais ao lado dos demais avanços médicos. No entanto, é sabido que o uso de antibióticos tem seus limites: as bactérias combatidas através de alguns tipos destas substâncias desenvolvem suas defesas ao longo de um processo seletivo (as bactérias sem resistência morrem, as bactérias resistentes permanecem se reproduzindo), anulando os efeitos do tratamento. Pensava-se, por exemplo, que o grande problema da tuberculose estaria definitivamente resolvido a partir do advento dos antibióticos, porém atualmente a doença volta a agravar-se no quadro da saúde mundial, apresentando maior resistência aos antibióticos.

Seguindo essas descobertas, as pesquisas se concentraram no desenvolvimento de novos agentes antimicrobianos sintéticos e no isolamento de novos antibióticos naturais a partir de microrganismos. Permeando essas idéias, havia o desejo de se obter uma droga potente e de baixa toxicidade para o tratamento das infecções humana e/ou animais.

Apesar da revolução provocada pelo advento da quimioterapia, atualmente, de cada sete novos casos de tuberculose, por exemplo, dois são causados por bactérias resistentes (OMS, 1993). A resistência dos microrganismos tem sido detectada em vários experimentos, in vitro e in vivo, e constitui um sério problema quando da opção pela quimioterapia. Um dos principais fatores apontados para o surgimento de cepas resistentes é o uso indiscriminado dessas drogas, já que são os próprios medicamentos que selecionam os microrganismos resistentes, dentre as populações naturais. Esse fato tem contribuído para a ineficácia de várias drogas, antes tidas como potentes. O problema da resistência se torna mais grave quando ocorre múltipla resistência. Um exemplo desse tipo de resistência ocorre na espécie Shigella dysenteriae, uma bactéria que causa desinteria, que apresenta resistência aos antibióticos cloranfenicol, estreptomicina, tetraciclina e sulfonamidas (VOLK et al., 1991).

Os principais produtores de antibióticos são as bactérias dos gêneros Micromonospora, Streptomyces e Bacillus e os fungos Cephalosporium, Penicillium e Aspergillus (WISTREICH & LECHTMAN, 1980). Deve ser ressaltado, portanto, que a fonte natural de antibióticos é bastante limitada e quando esse fato é combinado ao aparecimento cada vez maior de cepas resistentes, torna-se relevante à pesquisa por novas fontes dessas substâncias. Uma fonte promissora, em adição às plantas medicinais (SOUZA et al., 1991), é a fauna aquática, de onde já foram isoladas e caracterizadas várias substâncias com propriedades bioativas (YAMAZAKI, 1993).

Antibióticos são substâncias que, produzidas por organismos como bactérias ou sintetizadas em laboratório, são utilizadas para inibir o desenvolvimento de microorganismos infecciosos. Os antibióticos podem ser naturais, semi-sintéticos ou sintéticos.

Produtos Naturais - Terrestres e Marinhos na procura de novas potenciais fontes

Nos processos de reconhecimento e descoberta de substâncias bioativas, diversas ciências, dentre elas a oceanografia, é considerada essencial para o desenvolvimento da humanidade, pois lida com aspectos atualmente cruciais como a busca de novos recursos alimentares; uso de fontes alternativas (e limpas) de energia, como correntes, ondas e marés; busca de soluções para a poluição marinha; exploração de recursos minerais presentes no solo oceânico, identificação e exploração de substâncias marinhas para a cura ou tratamento de doenças como antibióticos, antivirais, drogas contra câncer, agentes cicatrizantes, anti-séptico; exploração de matéria prima para a indústria de cosméticos.

Os Actinomicetos ocorrem amplamente no solo, onde desempenham relevante papel biológico.

Especialmente representantes do subgrupo dos estreptomicetos são muito comuns na terra. Entre estes, podemos citar Streptomyces griseus e Streptomyces aureofaciens. Os representantes do gênero Streptomyces produzem importantes antibióticos, como a estreptomicina, sintetizada por S. griseus, a clorotetraciclina, sintetizada por S. aureofaciens, a terramicina, sintetizada por S. rimosus, entre muitos outros. Mais de oitenta antibióticos já foram obtidos de espécies do gênero Streptomyces.

O ecossistema marinho detém a maior parte dos organismos primitivos, como as algas, esponjas, anêmonas, dentre outros. Desprovidos de sistema nervoso desenvolvido ou de órgãos especializados na captação da luz e do som, esses seres restringem-se a formas de comunicação mais primitivas, aquela que se efetua por mediadores químicos. Os estudos sobre a natureza química das substâncias que participam dos processos de defesa, atração e reconhecimento desses animais, têm proporcionado a descoberta de inúmeros compostos com potencial biomedicinal.

Dos bivalves, foi isolada uma potente neurotoxina, denominada saxitoxina. Como esses animais estavam constantemente expostos a marés vermelhas tóxicas, desenvolveram mecanismos de detoxicação dessa substância e passaram a utilizá-la contra seus predadores (TWAROG et al., 1972). Dos cefalópodes foram isolados os biocompostos: cefalotoxina, serotonina, tiramina, octopamina e a maculotoxina. A cefalotoxina, por exemplo, é usado por esses animais para imobilizar suas presas (GHIRETTI, 1960). Dos anelídeos já foram isoladas substâncias fungicidas (HIGA & SCHEWER, 1975) e tumoricidas (TRABAH et al., 1970).

A toxina isolada do anelídeo Lumbriconereis heteropoda vem sendo utilizada, pela indústria agrícola, como matéria-prima para a fabricação de um inseticida (NARAHASHI, 1973). Esses exemplos servem para ilustrar o potencial que a fauna marinha representa como fonte de substâncias com propriedades biológicas importantes, passíveis de serem exploradas industrialmente. Além disso, deve ser ressaltado que o estudo dessa fauna primitiva per se pode revelar informações valiosas para o entendimento da evolução dos processos de defesa e outros processos fisiológicos, bem como ajudar a compreender as interações químicas que se processam entre os animais terrestres.

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