Um artigo recente no British Medical Journal, uma das mais respeitadas revistas médicas do mundo, fez um alerta impressionante sobre os efeitos que o aquecimento global poderá ter sobre a saúde no século XXI. Duas grandes áreas poderão ser afetadas: a transmissão de doenças infecciosas e a produção de alimentos, principalmente nos países em desenvolvimento. Existem vários fatores que contribuem para isso. A temperatura mais alta, associada à maior umidade - como acontece nas florestas tropicais - aumenta muito o número dos animais que transmitem os microorganismos que causam doenças. Quem já visitou a Amazônia conhece a enorme quantidade e variedade de moscas, mosquitos, carrapatos, percevejos, piolhos e outros artrópodes, o que não se constata em climas temperados. Mosquitos da espécie Aedes egypti, que transmitem dengue, por exemplo, sobrevivem apenas em uma faixa que vai do sudeste do Brasil ao norte do México. Se a temperatura terrestre aumentar, o mosquito irá se espalhar geograficamente para além dessa faixa, invadindo regiões onde ele nunca foi observado. E aonde o mosquito vai, a doença vai junto. A temperatura maior também parece favorecer uma reprodução mais rápida dos microorganismos. Por exemplo, o Plasmodium, protozoário causador da malária, diminui o seu ciclo vital em mais de 10 dias, se a temperatura aumenta apenas 2 °C. n SABBATINI, Renato M.E. Publicado no: Correio Popular (03 out. 1997).
O artigo do Dr. Renato Sabbatini, da Unicamp, ressalta a perigosa associação entre as alterações antropogênicas do planeta (principalmente a acentuação do efeito estufa) e as doenças infecciosas e parasitárias. Mesmo pequeno, o aumento das temperaturas globais pode ter impactos significativos sobre a saúde humana. As possíveis alterações climáticas representariam um importante estresse adicional, particularmente para populações que já vivem em condições precárias, afetadas por poluição, secas, falta de alimento ou alta incidência de doenças.
A elevação acentuada da temperatura é capaz de, por si só, prejudicar a saúde e o bem-estar humanos. Em 1998, uma onda de calor assolou diversos países da Europa e da América do Norte, provocando a morte de milhares de pessoas, principalmente idosos (por ataque cardíaco e hemorragia cerebral) e crianças (por desidratação).
Por meio de modelos que simulam as possíveis mudanças climáticas dos próximos cinqüenta anos, pesquisadores estimam que a ocorrência de doenças típicas do verão irá aumentar acentuadamente, enquanto a ocorrência de doenças de inverno sofrerá uma redução apenas discreta.
Ainda hoje, as doenças tropicais vitimam milhões de pessoas nos países pobres. Os maiores investimentos em pesquisas e medicamentos estão direcionados para outros tipos de males - os que atingem os países ricos, situados em latitudes temperadas.
O aquecimento global alteraria os hábitats dos transmissores de doenças tropicais, que vivem e se reproduzem em ambientes quentes. Com a expansão das áreas de clima tropical, esses transmissores (artrópodes, moluscos e roedores) ocupariam lugares que antes não ocupavam, levando consigo agentes infecciosos (como os causadores da febre amarela, da dengue, da encefalite viral ou da esquistossomose) para regiões onde eles não existem atualmente, difundindo essas moléstias em populações que hoje se encontram fora das áreas de risco.
Dados do IPCC sugerem que o número anual de mortes por malária (transmitida pela picada de mosquitos do gênero Anopheles) se elevaria em mais de um milhão, em todo o mundo, e a incidência global da doença aumentaria em mais de 60%.
No continente americano, a dengue (transmitida pela picada do mosquito da espécie Aedes egypti) até há pouco tempo restringia-se às Américas do Sul e Central e a algumas regiões do México. Recentemente, porém, foram detectados numerosos casos no Texas (USA).
"Os pernilongos estão adaptados a determinadas condições ambientais. Se o clima se tornar mais quente em mais regiões, os insetos terão mais lugares para onde ir e onde conseguir alimentos. Mais e mais pessoas estarão expostas a eles e aos agentes infecciosos que transmitem." (World Climate Change Bulletin. 1996.). Associando-se a tese do aquecimento global à rarefação da camada de ozônio, teríamos uma soma de fatores capazes de aumentar a incidência e a gravidade das doenças tropicais.
A maior exposição à radiação UV afeta o sistema imunológico, facilitando a ocorrência de câncer e infecções. Com o aquecimento global e a possível dispersão de insetos vetores, a incidência de doenças infecciosas aumentaria, afetando pessoas cuja defesa orgânica estaria comprometida pela radiação ultravioleta.
O aquecimento acentuaria o efeito das "ilhas urbanas de calor", facilitando o acúmulo e a formação de poluentes sobre as áreas urbanas (em particular os poluentes secundários, como o ozônio). Com isso, a ocorrência de doenças respiratórias e alérgicas possivelmente se elevaria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário