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sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Ebola - um vírus realmente letal





Texto em 4 partes:
1 - A primeira tragédia - 1976
2 - O perigo atinge os EUA - 1989
3 - Ebola atualmente
4 - Quais as chances do vírus Ebola causar uma pandemia hoje em dia?







1 - primeira tragédia - 19761976, Vila de Yambuku ao norte do Zaire, hoje chamado República Democrática do Congo. Um homem voltando de uma viagem pelo país dá entrada no hospital com febre e dores de cabeça. Foi diagnosticado com malária, recebeu o remédio (quinino, que dá aquele gosto amargo da água tônica) e foi mandado para casa. Uma semana depois ele voltou para o hospital vomitando sangue e delirando em febre. Sangrou por todos os orifícios até a morte - sério mesmo, não é drama.Em pouco tempo outros começaram a morrer no hospital. Transmitida pelos fluidos corporais e pelas mucosas, a doença fica incubada por 5 a 10 dias. Começa com dores de cabeça e musculares, aparecem diarréia, vômito negro (sangue) e sangramento generalizado, gengivas, nariz, ouvidos. Nessa hora, tudo que sai do doente está forrado de vírus, totalmente perigoso. Para piorar as coisas, as pessoas da região tinham a prática de preparar os mortos para serem enterrados retirando e lavando os órgãos internos, manualmente. Isolaram um vírus novo dos doentes que recebeu o nome de um rio próximo, Ebola. De um total de 319 casos, 90% dos infectados morreram.Ao mesmo tempo, num país não tão próximo surgiu outro surto de Ebola. No Sudão a situação foi menos grave, de 284 casos, 53% foram fatais. Por mais que seja uma coincidência muito grande, os dois surtos, inéditos e simultâneos, não foram causados pelo mesmo vírus. São duas linhagens diferentes de Ebola, das 5 conhecidas atualmente [1].


Filogenia dos Filovírus

Provavelmente, o que causou o maior número de mortes no Zaire foi a forma de contágio. Além do fato de o vírus ser mais agressivo, as condições sanitárias no hospital de Yambuku não eram das melhores. O hospital era comandado por freiras, que aplicavam injeções de antibióticos e anti-maláricos nas pessoas. Geralmente com as mesmas seringas e agulhas, ao ponto de precisar amolar agulhas na pedra para poder continuar usando. Depois que as pessoas começaram a evitar o hospital e evitar o contato com os órgãos dos mortos, a epidemia foi contida.Em 1976, muitas das técnicas de biossegurança ainda não estavam desenvolvidas. O transporte de alguns médicos e pesquisadores para a Europa, onde seriam tratados, foi feito dentro de cápsulas espaciais, como a Apolo, para isolar os doentes, levadas dentro de aviões como o Hércules. Em um caso na Alemanha anos antes, com um vírus próximo do Ebola, o Marburg, doentes foram recebidos por pessoas com roupas de plástico infladas, e um dos homens que desembarcavam os doentes no aeroporto teve um problema com o oxigênio da roupa e desmaiou. Todos começaram a gritar "O vírus! O vírus!" e saíram correndo.

2 - perigo atinge os EUA - 1989Em outubro de 1989, o laboratório Hazleton em Reston, Virgínia, a cerca de 15 quilômetros de Washington, recebeu um carregamento de 100 macacos vindo das Filipinas. Os macacos eram usados para testes de drogas desenvolvidas lá. Eles ficaram em uma sala com problema na refrigeração, e depois de 1 mês, 29 haviam morrido. O tratador achou que fosse o calor que estivesse estressando os animais, mas percebeu que alguns estavam mal e com febre. Quando estes morreram, ele fez uma autópsia e descobriu que o baço dos animais tinha virado um coágulo gigante e havia sangue no intestino.Achando que fosse uma febre hemorrágica símia (inofensiva para humanos), ligou para oUSAMRIID (United Stades Army Research Institute of Infectious Disease), uma instalação militar americana e mandou amostras para o virologista Peter Jahrling. O USAMRIID em Fort Detrick era um dos poucos lugares nos EUA a ter um laboratório de biossegurança nível 4, outro lugar era o CDC.Pausa para explicar o que é um Nível de Biossegurança (NB) 4:NB1 - Num laboratório de nível 1 são manipulados organismos bem conhecidos que não causam doenças em humanos. Não precisam ficar em um local separado, podem ser frequentados por qualquer pessoa e as precauções não envolvem nada mais do que luvas de látex e lavar a mão com sabão antisséptico. Ex: algas, bactérias de solo.NB2 - Agentes que causam doenças mas não são facilmente transmitidos por aerossol (gotículas de água). Envolve um espaço separado, utilizado por pessoas que receberam treinamento e em alguns casos pode-se utilizar um aparelho que evita a dispersão de ar, o fluxo laminar - uma espécie de balcão ou estante fechada, onde o ar circula dentro dele apenas e pode ser filtrado. Ex: Hepatites A, B e C, Dengue, Sarampo.NB3 - Agente desconhecido ou potencialmente fatal e/ou doenças que podem ser transmitidas por aerossol. Já é um laboratório planejado, sem quinas para facilitar a esterilização, pode ter portas seladas (em volta da porta há uma borracha que se infla quando fechada) e pressão negativa, assim o ar não sai quando a porta é aberta. Somente entram pessoas bem treinadas e lá dentro se utiliza máscaras e roupas parecidas com as de cirurgiões. Pode haver necessidade de que o pesquisador tome banho antes e depois de entrar lá. Ex: Febre amarela, SARS, Tuberculose, Antraz.NB4 - Doenças desconhecidas, fatais ou severas e/ou sem tratamento. Só se entra lá dentro com a roupa Hazmat (Hazardous Materials) selada e conferida regularmente para ver se não há danos, com suprimento individual de oxigênio. Para entrar e sair existe mais de uma porta, o pesquisador precisa tomar banho ao entrar e sair e a roupa tem que ser lavada com produtos químicos e exposta a luz UV. A água e o ar que circulam lá dentro são tratados com luz UV e filtros para microorganismos. O prédio é uma construção isolada, já que é onde os problemas devem ocorrer. O NB4 também é chamado de Hot Zone por ser onde estão os mais perigosos. Ex: Ebola, Marburg, Lassa e outros vírus hemorrágicos. Peter Jahrling recebeu as amostras de baço embrulhadas em papel alumínio, como se fossem marmita, totalmente seguro - diz ele que quando recebeu as amostras, pensou ainda bem que não é Marburg" (o marburg é um vírus que infecta macacos também). Levou as amostras para um laboratório nível 3 e pediu para um técnico cultivar o vírus para observar no microscópio.Para se observar vírus em microscópios eletrônicos, é preciso uma quantidade muito grande de vírus (já que ele é muito pequeno). Para isso, cultiva-se células animais dentro de garrafinhas com meio nutritivo e inocula-se as amostras de vírus, até eles forrarem a garrafinha. O técnico chamou Peter para ver o que aconteceu com as garrafinhas. Os frascos estavam todos opacos, e as células lá dentro todas mortas. Jahrling disse que provavelmente era contaminação por bactérias, uma coisa muito comum em cultura de células. Uma bactéria contaminante muito comum é a Pseudomonas, uma bactéria de solo. Quando ela cresce, produz um cheiro que lembra suco de uva (se não me engano em um episódio de House ele descobre que a mulher está com pseudomonas pelo cheiro). Ele abriu o frasco, cheirou, não tinha cheiro de nada, ofereceu pro técnico cheirar e ele também não sentiu nada. O técnico disse que ia preparar a amostra para examinar depois do feriado de Ação de Graças.Depois do feriado, mais da metade dos macacos já estavam mortos em Hazleton. O técnico preparou as amostras e quando olhou no microscópio não acreditou. Viu vírus compridos e enrolados, filovírus, e pensou "Fudeu, é marburg!" - vocês vão me desculpar o palavrão, mas nada descreve melhor o que se passou na cabeça dele naquela hora, apenas imagine. Mas os vírus eram mais compridos do que o Marburg normalmente é. Ele e Jahrling entravam em pânico, quando o Jahrling resolveu testar anticorpos contra Marburg para ter certeza. Havia 10 dias que eles cheiraram a garrafa, e a infecção por Marburg pode ficar latente entre 3 e 18 dias. Resolveu incluir o teste contra Ebola apenas por descargo de consciência, os macacos eram das Filipinas, e o Ebola nunca havia sido encontrado fora da África.Testou a amostra contra anticorpos de uma pessoa que havia sido infectada por Marburg, negativo. Testou com anticorpos contra o Ebola do Sudão, reagiu pouco. Testou contra o Ebola Zaire, letal em 90% dos casos, deu positivo. Imagine o frio na barriga que ele sentiu nessa hora. Testou novamente, positivo para Ebola-Z novamente.Envolveram o Exército americano e o CDC (Centro de Controle de Doenças, de Atlanta), interditaram a criação de macacos de Hazleton, que a essa altura já perdera a maioria dos macacos da sala, e de outras salas. Era a primeira vez que se via uma forma de Ebola confirmadamente capaz de se espalhar pelo ar. Sacrificaram todos os macacos em uma mega operação de biossegurança, e o prédio onde eles ficaram acabou sendo destruído pela empresa depois.Por sorte, por muita sorte, essa linhagem de Ebola, que é próxima à linhagem do Zaire, mas não igual, não é letal para humanos. Dos 178 tratadores, 6 desenvolveram anticorpos anti Ebola, o que mostra que tiveram contato com o vírus, mas não desenvolveram sintomas. Em 1990, um tratador do mesmo laboratório fazendo autópsia de outros macacos que descobriram também ter Ebola, se cortou com o bisturi mas não desenvolveu os sintomas, mostrando que mesmo o contato sanguíneo não torna o vírus perigoso.Até hoje não se sabe o que torna o Ebo-Z tão letal e o Ebo-Reston tão inofensivo, embora sejam próximos. O CDC mandou agentes para as Filipinas, tentando descobrir de como o Ebola estava fora da África, mas não encontraram nenhum animal contaminado.

3 - Ebola atualmente

O Ebola apareceu novamente em outros anos, 1994 no Gabão, 1995 no Zaire, e em 2001-2 no Zaire de novo, onde de 120 casos 95 pessoas morreram. O último surto foi no fim de 2007, começo de 2008 em Uganda, cerca de 150 casos com uma taxa de mortalidade entre 20 e 36%. No natal do ano passado, houve alguns casos na República Democrática do Congo(antigo Zaire), 32 infectados com 15 mortes. Em dezembro do ano passado, foram encontrados porcos com Ebola em Manila, mesmo lugar de origem dos macacos de Reston, e pelo menos um dos criadores foi contaminado mas não desenvolveu sintomas, o primeiro caso de ser humano contaminado por porcos.Sabe-se hoje que ele é um filovírus, e que existem 5 linhagens (em ordem de letalidade): Zaire, a mais letal, Sudão, também isolada em 1976, Bundibugya, isolada em 2007 no Sudão, Reston, que aparentemente só mata macacos e Costa do Marfim, isolado de um único caso, um primatologista que se curou. Até agora, o Ebola infectou 2000 pessoas e matou 1100. [1]Para se entender de onde o vírus vinha, tanto no Sudão quanto no Zaire em 1976, foram coletados milhares de animais, de insetos a macacos, morcegos e aves. Só foram encontrados anticorpos contra o vírus em morcegos frugívoros. Nas epidemias seguintes, também foram coletados milhares de animais. Alguns roedores também foram encontrados com anticorpos. O problema de se encontrar apenas anticorpos, é que eles indicam que o animal se infectou com o vírus e se curou, e provavelmente não é o reservatório natural do Ebola. Em 2005, o vírus foi isolado de morcegos no Gabão, o que se esperava, já que muitos casos ocorreram próximos a cavernas, habitats de morcegos, e o surto do Sudão começou em uma fábrica de algodão, que tinha muitos morcegos no forro.[2]Atualmente o Ebola Zaire está se espalhando para o norte da África, matando grandes populações de gorilas e chimpanzés. Ainda não está claro se ele está conquistando novos territórios ou se está substituindo uma linhagem mais branda.

4 - Quais as chances do vírus Ebola causar uma pandemia hoje em dia?

Poucas. Embora o Ebola possa ser um vírus muito letal, as linhagens que conseguiram se espalhar melhor entre humanos não eram tão perigosas. O surto mais grave, no Zaire em 1976, foi muito agravado pelas condições sanitárias do hospital, principalmente o compartilhamento de seringas. Como parece estar associado à morcegos, sua circulação é bem restrita, e seus sintomas são muito claros. Por isso, e diferente do vírus Influenza, são grandes as chances de se perceber um surto logo em seu início e impedir uma epidemia.

Fontes:The Coming Plague: Newly Emerging Diseases in a World Out of Balance de Laurie Garret. Trata dos primeiros casos de Marburg, além do surgimento do Ebola em 1976 no Sudão. Contém um relato detalhadíssimo do que aconteceu, com todo o envolvimento do CDC.The Hot Zone: A Terrifying True Story de Richard Preston. Detalha o surto no Sudão e no Zaire em 1976. Mas a melhor parte fica por conta do caso Reston em 1989. Um ótimo livro de suspense, mesmo sendo não-ficção.
[1] Towner, Jonathan S., Tara K. Sealy, Marina L. Khristova, César G. Albariño, Sean Conlan, Serena A. Reeder, Phenix-Lan Quan, et al. "Newly Discovered Ebola Virus Associated with Hemorrhagic Fever Outbreak in Uganda." PLoS Pathog 4, no. 11 (Novembro 21, 2008): e1000212.

[2] Biek, Roman, Peter D Walsh, Eric M Leroy, e Leslie A Real. "Recent Common Ancestry of Ebola Zaire Virus Found in a Bat Reservoir." PLoS Pathog 2, no. 10 (Outubro 27, 2006): e90

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